Li a história de Adozinda cerca de um ano após ter surgido a polémica sobre a denominada "geração rasca". Foi mais um argumento que encontrei para confirmar a minha ideia de que na juventude portuguesa actual surgem todos os dias propostas criativas e inovadoras, apesar das dificuldades por que passam as nossas escolas secundárias e dos problemas que ameaçam o futuro dos jovens. Mais uma vez fiquei convencido sobre a necessidade da Comunicação Social, particularmente a Televisão, prestarem contas sobre o despertar dos novos valores que existem na nossa juventude, em vez de constantemente dissertarem sobre os aspectos negativos que caracterizam alguns minoritários quotidianos juvenis. Não poderemos continuar a tomar a parte pelo todo, concluindo que certos comportamentos excessivos ou marginais caracterizam uma geração. É crucial conhecer de perto os projectos dos adolescentes, dinamizar e enquadrar aqueles que são apenas embrionários, ajudar aqueles que podem falhar por falta de recursos. Adozinda é uma história curiosa, alegre e actual. Nela encontramos as preocupações dos jovens portugueses de hoje. Fala-se do ambiente, a propósito de um esgoto à beira mar. Não se esquece a segurança e como é perigoso andar à noite pelas ruas das grandes cidades. Comenta-se as escola e as suas convulsões, a propósito da contestação às provas globais do ano lectivo 1993/1994 (aqui talvez fosse melhor ter escolhido um episódio menos datado). E sobretudo nota-se a ausência a família, como acontece tantas vezes hoje na vida dos nossos adolescentes. É assim que o pai de Adozinda nunca aparece e a mãe tem uma presença fugaz. Adozinda e Zulmiro são dois jovens que vivem sem a família, o que pode aceitar-se na idade do rapaz, mas não deixa de ser inquietante na vida da rapariga. Todo o comportamento de Adozinda parece retratar justamente o quotidiano de uma jovem afectuosa, mas inquieta, à procura de uma identidade que certamente a presença mais permanente de um adulto ajudaria a encontrar. Zulmiro já tem mais de vinte anos, é estudante universitário e saiu de casa dos pais em busca de maior autonomia, o que lhe permite ter junto de Adozinda um papel por vezes parental, outras vezes de amigo mais velho. Também existe muita fantasia nesta narrativa, como convém a uma história para crianças e adolescentes. Zulmiro estuda Astronomia e é mágico nas horas vagas. Adozinda é carinhosamente tratada por "bruxinha", enche os fatos das senhoras de teias de aranha e ganha dinheiro a atravessar pessoas, a cavalo na sua vassoura, por cima da ponte sobre o Tejo, ideia engenhosa que, a concretizar-se, salvaria muitos portugueses do inferno diário das portagens e do "garrafão"... Na sua nova casa a simpática bruxa tem um vegetal carnívoro anti-ladrões e parece cada vez mais à-vontade com as suas mágicas, excepto quando pega fogo à cozinha e fica perdida, à espera de um adulto que a salve! Escrita por uma adolescente, a leitura de "Adozinda" dá muito prazer, sobretudo pelo inesperado e pelo insólito de muitas situações e pelo crescente interesse que suscita à medida que mergulhamos nas suas páginas. É seguramente uma obra que não nos deixa indiferentes, já que possui o mais importante dos méritos: faz esquecer a monotonia de muitos dias da nossa vida adulta, para nos fazer regressar à fantasia da adolescência, na companhia de uma bruxa boa e de um mágico maternal. Daniel Sampaio |