Adozinda and Zulmiro - The Magic of Being a Teenager
Sofia Ester - Preface by the writer Alice Vieira
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Antes de mais, devo esclarecer que este novo livro de Sofia Ester não precisava de prefácio. Normalmente parte-se do princípio que, se uma obra necessita que alguém por ela terça armas, é porque, por si só, ela não terá condições de ganhar o favor dos seus leitores. E isso é o que neste segundo volume das aventuras de "Adozinda" não acontece, O romance vale pela história que conta, pelos problemas que aborda, pela escrita escorreita da sua jovem autora. Mas Sofia Ester pediu-me que escrevesse algumas palavras, e eu não podia recusar Só por isso elas aqui estão mas, torno a repetir, "Adozinda e Zulmiro" não precisa delas para vingar na vida.

Pessoalmente devo ter estado com Sofia Ester nem meia hora, numa emissão televisiva nos estúdios do Porto, daquelas onde se despacham meia dúzia de pessoas todas as manhãs e valha-nos isso, já que, se esperássemos por programas de literatura que se lembrassem de Sofia Ester; ainda hoje estaríamos sem saber que ela existia...

Mas embora o meu conhecimento pessoal seja reduzido, a "Adozinda" já há muito que faz parte do meu rol de amizades. Lembro-me de ter ficado muito surpreendida com as suas primeiras aventuras, escritas quando Sofia Ester teria, se não estou em erro, dezasseis anos. Surpreendida porque sempre desconfiei de talentos precoces, de génios adolescentes, de fenó­menos literários de tenra idade. E aquela "Adozinda" espantava-me sobretudo pelo fôlego que a autora demonstrava, pela sua capacidade de criar uma personagem de ficção que ao mesmo tempo andava tão perto de nós, e pela maturidade com que alguns problemas eram abordados. De qualquer modo fiquei sempre com uma dúvida: iria ter continuação? Não iria Sofia Ester adormecer sobre os louros conseguidos de um livro publicado na adolescência, e deixar-se de literaturas?

Felizmente as minhas dúvidas não tinham razão de ser temos agora o segundo volume das aventuras de "Adozinda" uma bruxa simpática, tão adolescente como a sua criadora (se é que as bruxas têm idade e envelhecem como qualquer mortal...) e, por isso, com ideias infalíveis para a salvação do mundo. E mal dos jovens que não acreditam serem capazes de o salvar.

Adozinda vê-se, neste romance, diante de problemas que aos humanos parecem insolúveis mas que a ela parecem apenas ridículos, incompreensíveis e intoleráveis. Tem, para todos, a desarmante solução das verdades evidentes. Evidentes para ela. Que não entende as burocracias de uma repartição de finanças (onde, ainda por cima, "bruxa" não consta das profissões aceites para declaração de início de actividade...), ou as condições necessárias para se obter um empréstimo bancário, ou os entraves colocados à entrada da Biblioteca Nacional, ou a morosidade da justiça.

A bruxinha Adozinda não percebe como é que estudantes universitários, depois de cinco anos de estudo, "saem muito atrapalhados, sem saberem para que é que o seu curso serve". Deparam-se então com duas possibilidades:

"se tem notas, voltam para o meio académico (...) e ingressam em mestrados e doutoramentos", contribuindo "para a formação de novos desempregados, e o ciclo continua. Senão, poderão ir para uma carreira aliciante num restaurante a lavar o chão ou a servir às mesas. De início ficarão um pouco frustrados, mas depois habituam-se (...) Afinal de contas a vida não acabou. Com tempo e esforço, poderão mesmo ascender a cozinheiro ou caixa,"

É por estas e por outras que Adozinda decide criar ela uma Universidade de Magia.

Não desvendo mais da história para não tirar o prazer e a surpresa dos leitores. Que eu desejava que fossem prioritariamente os jovens da idade da Sofia Ester; até porque é raro um leitor jovem ter à sua disposição um livro escrito por alguém com a sua idade, as suas inquietações e interrogações, e que com eles em absoluto se identifique.

Seria muito bom que os jovens lessem "Adozinda e Zulmiro" e apren­dessem com a bruxinha a nunca desistirem daquilo com que sonham, e a fazerem com ela o juramento de "nunca pertencer à classe média, e ter apenas uma casa média, filhos médios, um marido médio, projectos médios, problemas médios". A quererem muito mais do que isso.

Esse juramento já Sofia Ester o fez há muito. Tenho a certeza absoluta.


(Alice Vieira)